Artigo de Vera Lúcia Teixeira*
Resumo
Este artigo possui o objetivo descrever um panorama da gestão de recursos hídricos no Brasil seus avanços e desafios e o papel do Encontro Nacional de Comitês de Bacias hidrográficas o ENCOB para a gestão de recursos hídricos. Para tal, foram realizadas pesquisa nos websites da legislação existente. Pretende-se, contanto, contribuir para a gestão participativa dos recursos hídricos e suas políticas públicas.
Palavras-chave: Governança de Recursos Hídricos, Gestão Participativa, Fórum nacional
Introdução
O Brasil é um país considerado rico em quantidade de água. Há 20 anos possui uma lei conhecida como a lei das águas, a 9433/97, mas, apesar do grande avanço, existem ainda alguns desafios a serem enfrentados, uma vez que a distribuição hídrica no território nacional é desigual: “Em termos globais o Brasil possui grande oferta de água. Esse recurso natural, entretanto, encontra-se distribuído de forma heterogênea no território nacional […] 205.00 m3/s estão localizados na bacia do rio Amazonas, […] restando para o restante 55.000 m3/s[…] (BRASIL, 2016, p. 23).
As informações externadas nesse texto trazem bastante da minha vida venho de movimentos sociais na década de setenta e na década de oitenta comecei a participar de movimentos ambientais e, em todos os grupos que participei, desenvolvíamos ações para recuperação do rio Paraíba do Sul. Com a constituição de 1988, que amplia os movimentos sociais e ambientais, a criação do CEIVAP, em 1996, que começa a trabalhar a integração dos rios estaduais com o rio federal, e com a Lei 9433, que descentraliza a gestão das águas e confere valor econômico a água. Começo a participar do CEIVAP e vejo uma oportunidade de lutar pela recuperação do rio Paraíba do Sul de forma mais efetiva. Ao longo destes anos, tivemos muitos avanços e ainda temos muitos desafios a enfrentar. O Encontro Nacional de Comitês de Bacia Hidrográficas – ENCOB que está na sua vigésima edição é um bom espaço de discussões e de mobilizações sociais, onde podemos refletir sobre o estado da arte da gestão de recursos hídricos nos estados do Brasil. Neste texto pretendo fazer um panorama da política de recursos hídrico no Brasil e o papel do ENCOB.
1 A Gestão de Recursos Hídricos no Brasil
A água, apesar de ser um recurso abundante no Brasil, não se encontra distribuída de forma homogênea. Segundo o informe 2016 da Conjuntura de recursos hídricos (BRASIL, 2016, p. 23): “Passam pelo território brasileiro, em média, cerca 260.000 m3/s de água, dos quais 205.000 m3/s estão localizados na bacia do rio Amazonas, restando para o restante do território 55.000 m3/s de vazão média.”
Na busca de planejar a Política Nacional de Recursos Hídricos e estabelecer uma base organizacional por bacias hidrográficas como unidade de gerenciamento, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH, através da Resolução 32, de 15 de outubro de 2003, estabeleceu a divisão hidrográfica conforme mostra a Figura 1 (anexa).
No entanto, a Gestão das Águas no Brasil, buscando a preservação, proteção e o seu devido uso, já acontece há algum tempo. Podemos perceber isso pela evolução dos decretos e leis que foram editados no país, como o código das águas, Decreto 24.643 de 10 de julho de 1934[1], no livro II, Aproveitamento das Águas, Título I, Águas comuns de todos, Capítulo Único, no artigo 34, que registra: “É assegurado o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de águas, para as primeiras necessidades da vida, se houver caminho público que a torne acessível”. E, no artigo 35: “Se não houver este caminho, os proprietários marginais não podem impedir que os seus vizinhos se aproveitem das mesmas para aquele fim, contanto que sejam indenizados dos prejuízos que sofrerem com o trânsito pelos seus prédios”.
Na Constituição Federal, promulgada em 1988, em seu Capitulo II, Da União, artigo 21, inciso XIX, a preocupação com a gestão das águas se faz presente: “Instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direito de uso” e, em seu Capitulo VI, Do Meio Ambiente, artigo 225, ressalta-se: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem pelo uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988, p. 20, 99, 100).
Podemos perceber, então, que a Constituição Federal começa a desenhar a Gestão de Recursos Hídricos no Brasil. Quase dez anos depois, em janeiro de 1997, com a publicação da Lei 9433, acontece a regulamentação da Política Nacional de Recursos Hídricos, com várias inovações, tendo alguns princípios fundamentais básicos, destacados em seu artigo primeiro, como:
I- a água é um bem de domínio público; II- a água é um recurso natural limitado; dotado de valor econômico; III- em situação de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV- a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplos das águas; V- a bacia hidrográfica e a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e a atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VI- a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades (BRASIL, 2001, p. 11).
O artigo quinto apresenta alguns instrumentos para implementação da lei como: “I- o plano de Recursos Hídricos; II- o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; III- a cobrança pelos recursos hídricos e V- o sistema de informações sobre recursos hídricos” (BRASIL, 2001, p. 12).
Em 1998, acontece a regulamentação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH, através do decreto 2612, de 3 de junho de 1998, um órgão consultivo e deliberativo. Dentre suas atribuições, descritas no artigo primeiro e seus incisos, destacamos:
I – promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regionais, estaduais de Recursos Hídricos; II – arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; III – deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos, cujas repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantados; IV – deliberar sobre as questões que lhe tenham sido encaminhadas pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos ou pelos Comitês de Bacia hidrográfica; V – analisar propostas de alteração da legislação pertinente a recursos hídricos e a Política Nacional de Recursos Hídricos; VI – estabelecer diretrizes complementares para implementação da Política Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VII – aprovar propostas de instituição dos Comitês de Bacia Hidrográfica e estabelecer critérios gerais para a elaboração de seus regimentos; VIII – deliberar sobre os recursos administrativos que lhe forem interpostos; IX – aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos; X – acompanhar a execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos e determinar as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; XI – estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso; XII – aprovar o enquadramento dos corpos de água em classes, em consonância com as diretrizes do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA e de acordo com a classificação estabelecida na legislação ambiental (BRASIL, 2001, p. 29, 30).
Em 17 de julho de 2000 é criada a Agência Nacional de Águas – ANA, pela lei 9984, com a responsabilidade de fazer a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos. O artigo terceiro define sua autonomia e vinculação com Ministério de Meio Ambiente – MMA.
Fica criada a Agência Nacional de Águas – ANA, autarquia sob regime especial, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos, integrando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (BRASIL, 2001, p. 36).
A ANA possui diversas atribuições, como outorgar, fiscalizar os usos dos recursos hídricos, elaborar estudos técnicos para subsidiar a definição, pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, dos valores a serem cobrados pelo uso da água bruta para fins econômicos nas bacias hidrográficas, estimular e apoiar as iniciativas voltadas para a criação de comitês de bacia hidrográfica e várias outras.
2 – Encontro Nacional de Comitês de Bacia Hidrográfica – ENCOB
Este ano (2018) ocorre a vigésima edição do Encontro Nacional de Comitês de Bacia Hidrográfica na cidade de Florianópolis (SC), entre os dias 20 a 24 de agosto é a segunda vez que o estado de Santa Catarina recebe o evento, no ano de 2002 o ENCOB aconteceu em Comburiu (SC) .
O primeiro Encontro Nacional dos Comitês de Bacias hidrográficas, ocorreu em São Paulo na cidade de Ribeirão Preto no ano de 1999. O ENCOB é um evento que ocorre todos os anos em diferentes estados da federação. Alguns estados já receberam o evento por duas vezes como: Minas gerais (2001 em Belo Horizonte e 2009 na cidade de Uberlândia), Rio Grande do Sul (2004 em Gramado e 2012 Porto Alegre), Ceará (2000, 2010 em Fortaleza), Bahia (Ilhéus em 2005 e em Salvador 2016) Sergipe (Aracaju em 2003 e 2017) e outros estados da federação já receberam o evento por uma vez como: Espírito Santo na cidade de Vila Velha (2006), Paraná na cidade de Foz de Iguaçu (2007), Rio de Janeiro (2008), São Luis do Maranhão (2011), Mato Grosso em Cuiabá, (2013), Alagoas em Maceió (2014), Goiás em Caldas Novas (2015).
Encontro Nacional de Comitês de bacia hidrográfica (ENCOB), é realizado pelo Fórum Nacional de Comitês de Bacia hidrográfica, que é um colegiado composto por três representantes dos fóruns estaduais de comitês de bacia hidrográficas ou, em locais que não possui fórum estadual, por três representantes indicados pelos estados como representantes dos comitês estaduais; e por dois representantes do comitês federais indicados pelos comitês federais.
O Colegiado reúne-se bimestralmente nos diferentes estados da federação, para discutir a gestão de recursos hídricos no Brasil, buscando nas reuniões discutir com os estados sede os avanços e os desafios da gestão de recursos hídricos.
O ENCOB acontece anualmente com temas ligados a gestão de recursos hídricos. Como sistema é dinâmico e a rotatividades de pessoas é muito grande, todos os anos acontecem oficinas para iniciantes sobre temas como os instrumentos de gestão e mobilização e comunicação. A maioria destas oficinas é ministrada pela Agência Nacional de Água – ANA. As oficinas e conferências são abertas ao público, mediante a inscrição prévia, no portal do ENCOB.
Estes encontros têm contribuído para o desenvolvimento dos trabalhos do Fórum Nacional de Comitês de Bacia Hidrográfica – FNCBH, que vem ganhando importância no cenário nacional. Por abrir um espaço de discussões dos diferentes setores, identificando o estado da arte dos comitês de bacia hidrográfica (estaduais e federais) e os desafios que deverão ser enfrentados. Contribuindo com isto para gestão participativa e integrada das águas.
Considerações Finais
Consideramos que a Gestão de Recursos Hídricos, no contexto brasileiro, foi bem desenhada, mas apresenta-se um pouco lenta sua efetivação, se levarmos em consideração que a lei 9433/97 está fazendo 20 anos e ainda não foi plenamente instalada em todo território brasileiro. A cobrança pelo uso dos recursos hídricos, por exemplo, não é praticada em todo território e tampouco o enquadramento dos corpos de água em classes, nas áreas onde já existe a cobrança.
O Fórum Nacional de Comitês de Bacia Hidrográfica – FNCBH, através do Encontro Nacional de Comitês de Bacia – ENCOB, vem contribuindo para a gestão coletiva dos diversos setores que compõem os comitês de bacia: o setor público, o setor usuário e a sociedade civil e forma participativa. Em tempos de escassez hídrica na maioria dos estados do Brasil. O FNCBH vem buscando através de estes encontros discutir a importância da qualidade e quantidade de água para a nossa sobrevivência.
Referências:
BRASIL. Agência Nacional de Águas. Legislação Básica. Brasília: ANA, 2001, 104 p.
BRASIL. Agência Nacional de Águas. Conjuntura dos Recursos Hídricos: Informe 2016. Brasília: ANA, 2016. 95p.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1a ed., Rio de Janeiro: Ed. Saraiva, 1988. 168p.
BRASIL. Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d24643.htm >. Acesso em: Set. 2017.
Bacias hidrográficas do Brasil. Disponível em: <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/bacias-hidrograficas-brasil.htm>.Acesso em jul. 2018
TEIXEIRA, V.L.; BRANQUINHO, F.T.B.; LACERDA, F.K.D. Gestão de recursos hídricos no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro: avanços e desafios. In: MORATO, J.R.; PERALTA, C.E.; CARLI, A.A. Obra Coletiva – Água y Saneamiento Básico em El Siglo XXI Brasil y Costa Rica. San José, C.R. : Universidad de Costa Rica, Vicerrectoría de Acción Social, Facultad de Derecho, 2018. 592p.
*Vera Lúcia Teixeira – Mestranda do programa de pós-graduação stricto sensu em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos – ProfÁgua no polo da UERJ, bióloga com especialização em Saúde Pública, microbiologia, Gestão de Recursos Hídricos. Tem experiência na área de saneamento, com ênfase em Gestão de Recursos Hídricos, Meio Ambiente e Planejamento Estratégicos. Participa de Comitês de Bacias Hidrografias desde de 1996, como representante da sociedade civil. Possui uma vasta experiência em mobilização social. Concluiu recentemente o curso de Especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais. Executou o Programa Agenda Água na Escola na Região do Médio Paraíba, Atualmente é Secretária Executiva do Comitê Médio Paraíba para o mandato 2017-2019.
[1] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d24643.htm>. Acesso em: 07 set. 2017.