O Projeto de Lei que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 3729/04) ameaça a gestão integrada da água no Brasil. O texto, que está na 13ª versão, foi retirado da pauta da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) pelo relator, deputado federal Mauro Pereira (PMDB-RS) e deve ir direto para o Plenário da Câmara dos Deputados em regime de urgência, sem discussão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
A 12ª versão do substitutivo que estava na pauta da CFT foi retirada pelo autor após nova rodada de negociação entre deputados e os ministérios de Meio Ambiente, Agricultura e Casa Civil. Essa tentativa de acordo resultou na retirada de pontos polêmicos que flexibilizavam o licenciamento ambiental para empreendimentos rodoviários, ferroviários e de energia elétrica. Entretanto, os artigos que afetam diretamente a gestão de recursos hídricos, como o que desvincula a outorga de direito de uso da água do processo de licenciamento, permanece no texto.
Embora considere a outorga de direito de uso da água ato administrativo desvinculante do processo de análise para licenciamento, o texto fixa prazo para que autorizações ou outorgas à cargo de órgão ou entidade integrante do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) para que sejam emitidas previamente ou concomitantemente à licença, respeitados os prazos máximos previstos na nova lei.
O texto ainda mantem várias concessões setoriais, com dispensa de licenciamento à agricultura, hidroelétricas, mineração e a obras de infraestrutura.
Desde junho do ano passado a SOS Mata Atlântica tem atuado em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente na construção de um Projeto de Lei de consenso, que permita resolver os problemas decorrentes da falta de estrutura dos órgãos ambientais, do excesso de burocracia e da precariedade técnica dos projetos submetidos à análise ambiental e que, fundamentalmente, não traga retrocessos à legislação ambiental brasileira.
As negociações envolveram deputados federais das Frentes Parlamentares Ambientalista e do Agronegócio, ministérios, representantes dos setores produtivos, de infraestrutura, organizações ambientalistas, associações nacionais de municípios, de órgãos estaduais e do Ministério Público.
Em 4 de abril o Ibama fechou a minuta negociada com todos esses setores. Essa versão define regras gerais sobre o rito e a forma dos processos de licenciamento, envolvendo com base nas competências, os entes da Federação e o Sisnama. Também fixa prazos e inova ao incluir a Avaliação Ambiental Estratégica e mecanismos de transparência e participação da sociedade. Embora contemple dispensa de licenciamento ambiental às atividades agrossilvopastoris, vincula a provável dispensa ao cumprimento de outras Leis e instrumentos vigentes, como a Lei da Mata Atlântica, o Código Florestal e o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Essa versão evita graves retrocessos e judicializações, minimiza pressões setoriais e, apesar de não ser o texto ideal, por não resolver o problema de falta de estrutura e autonomia dos órgãos ambientais para conduzir de forma ágil e eficaz os processos de licenciamento ambiental, apresenta regras gerais capazes de harmonizar procedimentos, rito, competências e prazos. Esse texto de consenso deveria ser enviado para votação na Câmara Federal na forma de um novo substitutivo de plenário para regime de urgência, e não o texto que foi apresentado pelo deputado Mauro Pereira.
O posicionamento e a estratégica de advocacy adotados pela SOS Mata Atlântica tem resultado, há quatro meses, na não votação do substitutivo defendido pela Frente Parlamentar do Agronegócio e Casa Civil.
O licenciamento ambiental é um instrumento estratégico de planejamento que garante à sociedade a transparência e a participação na tomada de decisões para obras, empreendimentos ou atividades econômicas que visem ser implementadas ou regularizadas no país, bem como a conservação de patrimônios naturais, da biodiversidade e de ecossistemas essenciais para a regulação da água e do clima.
Portanto, repudiamos a votação de um texto unilateral, desconhecido da sociedade e cobramos que o Governo Federal se posicionasse em defesa da proposta de consenso construída no Ministério do Meio Ambiente, reafirmando os compromissos internacionais que assumiu perante o Acordo de Paris sobre Mudanças do Clima e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Reforçamos que flexibilizar o licenciamento ambiental para favorecer setores pontuais traz enormes prejuízos à sociedade e ao ambiente no Brasil e acaba com a oportunidade de construir uma proposta capaz de transformar o licenciamento ambiental em um instrumento ágil e moderno, que equilibre desenvolvimento e sustentabilidade.
*Malu Ribeiro é especialista em Água da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG brasileira que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades. Saiba como apoiar as ações da Fundação em www.sosma.org.br/apoie .