Segundo Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda na Alemanha Nazista: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade.”
Domingo, dia 1 de outubro, enquanto preparava o café da manhã, ouvia as chamadas de um programa de TV voltado para assuntos do campo. Entre as reportagens uma iria tratar da situação do principal afluente do rio São Francisco, o rio Paracatu (MG), que se encontra praticamente seco.
Nos últimos tempos, muitas matérias tem tratado da crise hídrica pela qual passa a região central do Brasil, algumas inclusive como se fosse uma novidade, com repórteres, gráficos e especialistas apontando causas, efeitos e reflexos que são sentidos em todo o Brasil. Entre os problemas apontados estão sempre os ambientais, ligados à biodiversidade e peixes, ao usos da água, como abastecimento humano, irrigação, indústria, geração de energia, turismo, entre outros.
Mas a reportagem sobre o Paracatu chamou-me atenção especial por acompanhar a história do amigo Antônio Eustáquio, o Tonhão, do Movimento Verde Paracatu, que há muito fala e trata da agonia do rio Paracatu, diretamente ligada à situação e condição de toda a bacia do Velho Chico.
A reportagem, composta por entrevistas com representantes de vários setores, realizadas até no leito ressequido e magoado do rio, abordou as variações do ciclo hidrológico, as redução das precipitações nos últimos anos, os problemas de uso e ocupação do solo, a dificuldade de infiltração da água na terra, seu principal reservatório, os impactos no ambiente, produção o economia, a articulação e contribuições dos produtores rurais e da sociedade. Em determinado momento foram questionadas as ausências ou falhas na gestão das águas, política pública que permeia, ou deveria permear, grande parte destas questões, não somente para evitá-las, mas também para remediar seus impactos, desde que fosse implementada da forma prevista e tivesse capacidade de atuação.
Crendo que o tema é relevante e de impacto nacional, divulguei a notícia a alguns grupos de amigos, colegas de trabalho e de estudo. Após a sua conclusão da reportagem, copiei aos mesmos grupos o endereço de acesso a ela. Não sei se por ímpeto, ou por estar coando o café, não percebi que um amigo já havia encaminhado o link de acesso a um dos grupos, e então pedi desculpas pelo ocorrido.
O que gerou a vontade de contar esta história e refletir sobre ela, começa aqui. Após o pedido de desculpas pela redundância da mensagem, outro amigo, um entusiasta das águas, pesquisador e coordenador de um Mestrado Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos, reagiu de forma enfática: “-Não há que pedir desculpas. Temos que repetir isso 1 milhão de vezes! O Velho Chico perece e nada é feito!”
Imediatamente lembrei da frase de Goebbles, e veio a pergunta: quantas vezes essa verdade precisa ser repetida para que valha? Para que se converta em realidade?
Quando eu, você, eles, nós, seja lá qual for nossa ocupação, interesse ou responsabilidade, sejamos produtores rurais, irrigantes, industriais, lavadeiras, pescadores, funcionários de empresas de saneamento, de geração de energia, estudantes, professores, servidores públicos, ou mesmo cidadãos, vamos tomar esta decisão? Sim, decisão! Tomar a decisão e cobrar que a água seja tratada como ela precisa, ou melhor, como nós precisamos que ela seja tratada, pois nós é que dependemos dela.
Seja qual for o meu ou o seu interesse ou responsabilidade, seja como produtor rural, industrial, pescador, serviço de saneamento, empresas de geração de energia, estudante, professor, ou mesmo cidadão, todos tem parte na decisão de tratar da água como ela precisa, ou melhor, como nós precisamos, pois nós é que dependemos dela.
É uma decisão. Quer exemplos? Em 1800, Nova York enfrentou problemas ligados à água, com mortes, doenças e prejuízos, e decidiu cuidar de suas fontes, suas bacias hidrográficas. Alguns especialistas acreditam que sem essa segurança hídrica, talvez a cidade não fosse que é hoje. Em 1861, no Rio de Janeiro, Dom Pedro II criou uma “Floresta Protetora”, visando recuperar as bacias que davam suporte ao abastecimento, da degradação ocorrida entre 1600 e 1700, atual Parque Nacional da Tijuca.
E nós, quando acolheremos esta realidade e daremos resposta efetiva ao que são fatos, não mais meras especulações ou alarmismos.
Os recursos são escassos, e há muitas preocupações e questões que requerem especial atenção da sociedade, como o famoso tripé “saúde-educação-segurança”, mas a disponibilidade hídrica, ou segurança hídrica, apresenta reflexos diretos inclusive nestes eixos, ao afetar a saúde e o desenvolvimento econômico e social, tanto no curto, quanto no médio e longo prazo.
Quando daremos atenção à gestão das águas e políticas públicas relacionadas?
Precisamos repensar, mudar a forma de agir, e estes esforços devem ser de todos que tem interesse ou são impactados pela água, seja por seu uso ou por sua falta.
Esta verdade não pode esperar ser repetida 1 milhão de vezes para se tornar realidade, sob pena de inviabilizarmos a nossa própria sobrevivência e atividades.
João Ricardo Raiser. Poeta. Administrador. Mestrando em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos (PROFÁGUA), na UNESP – Ilha Solteira, membro de Comitês de Bacia Hidrográficas Federais e Estaduais, representante no Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Gerente de Planejamento e Apoio ao Sistema de Gestão de Recursos Hídricos da SECIMA/GO. Atua na gestão das águas desde 2002. [email protected]