*Angelo José Rodrigues Lima
Muito falamos sobre governança em nossos debates sobre a construção do Observatório, motivado por isso, escrevo o artigo sobre o tema, apenas para iniciar a discussão.
A palavra governança é originada do verbo grego pilotar, navegar e foi utilizado metaforicamente por Platão para definir o ato de governar os homens. Do latim gubernare, as raízes do termo remetem à palavra grega kybernan, que se refere às manobras de um navio, (SEYLE; KINK, 2014).
O termo governança é relativamente recente na literatura e tem sido usado de forma bastante eclética por diferentes ramos das ciências sociais. Sua origem está associada à esfera da gestão de organizações (governança corporativa), mas tem também forte uso na ciência política (governança pública).
A primeira diferença importante que deve ser feita é entre Governabilidade e Governança.
Governabilidade é o conjunto de condições necessárias ao exercício do poder. A Governabilidade expressa a possibilidade em abstrato de realizar políticas públicas, (DINIZ, 1996). Neste caso, quando se fala de governabilidade, trata-se do governo em si.
Governança é a competência do governo de praticar as decisões tomadas ou, em outras palavras, a capacidade de governo do Estado. Envolve a disposição institucional pela qual a autoridade é exercida, de modo a propiciar as condições financeiras e administrativas indispensáveis à execução dos arranjos que o governo adota, (DINIZ, 1996).
Governabilidade diz somente respeito do governo. Já governança, mesmo que a origem venha do setor privado, evolui e neste caso, já diz mais respeito as formas de exercitar este governo.
Uma consideração importante, é o entendimento do que seja governança e gestão.
Segundo Silva, “a governança como conceito, por exemplo, pode ser trabalhada como um recurso cognitivo, com a força de um paradigma, auxiliando a construir leituras complexas da crise e encontrar soluções inovadoras e duradouras. A gestão, por outro lado, além de seu componente conceitual, pode ser trabalhada como uma técnica que inclua as atividades de planejamento e de mediação, transcendendo seus limites disciplinares”.
Portanto, governança é fundamental pois prepara a gestão, governança é o processo e gestão é a prática, a operacionalização. A governança bem preparada, pode contribuir muito para que a gestão tenha mais resultados.
Segundo Castro (2007), “a governança, sendo democrática, é um processo político que pode se caracterizar pelo confronto de projetos políticos rivais, fundamentados em diferentes valores e princípios. Consequentemente, a discussão sobre governança ainda ressalta a necessidade do debate político sobre os diferentes valores e princípios existentes na sociedade”.
Castro (2007) “chama a atenção para um ponto bastante relevante, que são as diferenças de pensamento político, cultural, econômico e social presentes na sociedade e, para que a governança seja adequada, isto deve ser adequadamente tratado”.
GOVERNANÇA DAS ÁGUAS
O termo governança da água surgiu em documentos oficiais pela primeira vez no ano de 2002, na Política Nacional de Águas do Québec. Esta foi resultado de um processo de cinco anos, que se iniciou com a participação de toda população. O processo de governança, previsto pela política, leva em consideração interesses sociais, econômicos, ambientais e também de saúde, tendo como finalidade a aplicação dos princípios do desenvolvimento sustentável e o estabelecimento das condições favoráveis para o bem-estar e a qualidade de vida das gerações presentes e futuras, (QUEBÉC, 2002).
A Política Nacional de Águas do Québec estabelece que a governança deve estar focada em três pontos fundamentais: 1) liderança local e regional para os processos de gestão e liderança provincial para a governança; 2) responsabilidade dos envolvidos com respeito a suas próprias ações de gestão e ao impacto de suas decisões numa perspectiva de longo prazo para todos os usuários e indivíduos do ecossistema em questão; 3) articulação entre todos atores envolvidos no planejamento e implementação dos projetos para restauração, proteção e desenvolvimento que assegurarão a sustentabilidade dos recursos hídricos e dos ecossistemas aquáticos. Ressalta-se ainda que, devem fazer parte de todo processo, o envolvimento público e a disseminação de informações, medidas adotadas e suas conseqüências, (QUEBÉC, 2002).
O Global Water Parternship (ROGERS; HALL, 2003) é o principal ator internacional a fomentar a ideia da crise hídrica como uma crise de governança e que a gestão integrada dos recursos hídricos é o único meio viável de atingir um uso e gestão sustentáveis.
A governança da água envolve os sistemas políticos, legais, econômicos e administrativos responsáveis pela gestão dos recursos hídricos e pelos serviços hídricos fornecidos aos vários níveis da sociedade, bem como reconhece o papel dos serviços ecossistêmicos da água (UN/WWAP, 2009). Por meio de sua prática, poderia se solucionar os problemas relacionados às instituições e processos que gerenciam a água, às deficiências no quadro normativo, aos investimentos inadequados, à base técnica deficitária, à falta de suporte social, corrupção ou descrença no governo e nas políticas públicas, dentre outros.
Governança da água é “o leque de políticas, organizacional e processos administrativos, através dos quais as comunidades articulam os seus interesses, elas conseguem inserir suas contribuições, decisões são tomadas e implementadas e os tomadores de decisão são responsáveis no desenvolvimento e na gestão da água recursos e prestação de serviços de água”, (BAKKER, 2003, p. 5).
Ao final, dois conceitos sobre Governanança, são os que mais se aproximam do processo que acontece na gestão descentralizada e participativa.
Um deles encontra-se em Kooiman (1993) que diz que o conceito de Governança se baseia em multiplicidade de atores, sua interdependência, objetivos compartilhados, fronteiras fluídas entre público, privado e esferas associativas e multiplicidade de formas de ação, intervenção e controle.
O outro é: “Governança é o conjunto de mecanismos e procedimentos para lidar com a dimensão participativa e plural da sociedade, o que implica expandir e aperfeiçoar os meios de interlocução e de administração do jogo de interesses. As novas condições internacionais e a complexidade crescente da ordem social pressupõem um estado dotado de maior flexibilidade, capaz de descentralizar funções, transferir responsabilidades e alargar, em lugar de restringir, o universo dos atores participantes, sem abrir mão dos instrumentos de controle e supervisão, (DINIZ, 1997, p. 196)”.
O debate sobre o conceito de governança é importante para tentarmos entender mais o que é governança e a partir desta compreensão, podemos construir os indicadores de governança e assim realizar o monitoramento do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
*Angelo José Rodrigues Lima – Biólogo (UFRRJ), Mestre em Planejamento Ambiental (COPPE/UFRJ) e Doutorando em Geografia (UNICAMP). É o atual Secretário Executivo do Observatório da Governança das Águas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKKER, K. Good Governance in Restructuring Water Supply: A Handbook. Toronto: Federation of Canadian Municipalities, 2003.
CASTRO, José Esteban. Governança da água no século XXI. Ambient. soc. v.10, n.2, pp.97-118, 2007.
SILVA, Daniel José da. Desafios Sociais da Gestão Integrada de Bacias Hidrográficas: Uma introdução ao conceito de governança da água. COLLOQUE 628 (GREGU-UNIAGUAS): DÉFI SOCIAL DE LA GESTION DE L’EAU. 74e CONGRÉSS DE L’ACFAS Université McGill, Montréal, 15 -19 mai 2006.
DINIZ, E. Governabilidade, governance e reforma do Estado: considerações sobre o novo paradigma. Revista do Serviço Público, v. 120, n. 2, Brasília, mai./ago. 1996.
DINIZ, E. Crise, Reforma do Estado e Governabilidade: Brasil, 1985-95. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1997.
KOOIMAN J. Modern Governance: New Government-Society Interactions. London: Sage, 1993.
SEYLE, D. C.; KING, M. W. O que é governança. In.: PRUGH, T.; SALVADOR, M. R. (orgs.) Estado do Mundo 2014: Como Governar em Nome da Sustentabilidade. Bahia: Uma Ed., 2014.
ROGERS, P.; HALL, A.W. Effective Water Governance. Suécia: Global Water Partnership (GWP) / TEC background papers, 2003.
QUEBÉC. Water. Our Life. Our Future. Quebec: Québec Water Policy, 2002.
UN/WWAP. Water in a Changing World. Paris: UNESCO, 2009. Disponível em: <http://www.unesco.org/water/wwap/wwdr/w wdr3/>. Acesso em: 30 ago. 2016.
Site visitado:
http://www.provalore.com.br/governanca-publica-saiba-a-diferenca-entre-governanca-e-gestao/, de onde foi retirado a figura da relação entre governança e gestão.