A relevância da alocação de água e vazões de entrega na revitalização do rio São Francisco

Por Ailton Francisco da Rocha[1]

O rio São Francisco vem de Minas Gera, cruza o semiárido nordestino e deságua no oceano Atlântico, na fronteira entre os estados de Sergipe e Alagoas, após percorrer lentamente 2.863 km, com uma vazão natural média em Sobradinho de 2.589 m³/s (1931-2016), em que 95% do seu potencial hídrico se concentra nas regiões fisiográficas do alto e médio trecho, através da contribuição dos seus principais afluentes localizados nos estados de Minas Gerais e Bahia.

As águas do São Francisco são fundamentais para o desenvolvimento da região, a partir do uso múltiplo das suas águas destinadas para a geração de energia, irrigação, abastecimento humano, dessedentação animal, uso industrial, atividade minerária, pesca, navegação, transposição de bacias e preservação ambiental, agora ampliado com a transposição para o nordeste setentrional. O uso da água por todos estes setores tem se intensificado a cada ano, a ponto de hoje já não ser possível atender a todos, culminando em um conflito pelo uso da água.

Com 48% de sua bacia hidrográfica desmatada, comprometendo inclusive áreas de recarga, segundo o Plano de Recursos Hídricos recentemente aprovado pelo CBHSF, foram identificados vários desafios que estão relacionados com a resolução dos principais problemas identificados. Alguns dos mais mencionados são: a) resolver os problemas de governança, notadamente simplificar e desburocratizar o sistema de outorgas, gestão dos reservatórios visando o múltiplo uso da água, intensificar a fiscalização em todas as áreas de atuação da bacia hidrográfica e melhorar a articulação entre os órgãos que intervêm no gerenciamento das águas da bacia hidrográfica (municipais, estaduais e federal); b) investir significativamente na melhoria do sistema de saneamento; c) apostar na conscientização ambiental da população e restabelecer sua confiança nos instrumentos de ordenamento e gerenciamento dos recursos e do território e nos organismos que os elaboram e aplicam; d) implementar um plano estruturado e abrangente de revitalização da bacia hidrográfica com reflorestação das áreas mais prejudicadas (cerrado, caatinga e mata ciliar) e das que garantem proteção de nascentes e mananciais; e) implantar o pacto das aguas superficiais e subterrâneas com definição das vazões de entrega, diretriz apontada desde o Plano Decenal elaborado em 2004, a partir da criação de um convênio de gestão integrada.

O PRH-SF 2016-2025 propõe o desafio da construção do “Pacto das Águas”, a ser formalizado como um convênio. Este Pacto envolve a União, os entes federados (estados e municípios) e os comitês de bacia hidrográfica, e compromissos de: alocação de água por sub-bacia e definição das vazões de entrega na calha principal, diferenciadas conforme as regiões (em particular no semiárido) e atendendo a critérios de sazonalidade e níveis de água a jusante, em particular na calha principal; priorização dos diferentes usos da água; definição de regras de gestão operacional dos principais reservatórios; aprimoramento dos principais instrumentos de gestão de recursos hídricos da bacia; melhoria do conhecimento e do controle da qualidade e quantidade das águas e e revitalização da bacia hidrográfica.

A alocação de água tem por objetivo principal a garantia de fornecimento de água aos atuais e futuros usuários de recursos hídricos, respeitando-se a compatibilização dos múltiplos usos e as necessidades ambientais em termos de vazões a serem mantidas nos rios.

No enfrentamento da crise hídrica dos últimos sete anos anos, a Agência Nacional de Águas com a participação dos diversos atores que atuam na bacia, estabeleceu por meio de resoluções as vazões mínimas a serem liberadas pelos reservatórios de Três Marias, Sobradinho e Xingó, evitando que os dois primeiros corressem o risco de serem operados no volume morto. Espera-se com o retorno da normalidade das chuvas que seja possível sair desta gestão de crise e adentrar numa gestão de risco operando estes reservatórios através de faixas conforme estabelecidas na Resolução Nº 2.081/ANA, de 04 de dezembro de 2017 que Dispõe sobre as condições para a operação do Sistema Hídrico do Rio São Francisco.

Na investigação dos princípios da alocação de recursos escassos, há vários estudos que indicam modelos e mecanismos de alocação de água, cada um deles com suas vantagens e desvantagens. No caso da bacia hidrográfica do rio São Francisco, em decorrência das suas especificidades, defendo a aplicação do mecanismo de alocação de água por uma instituição pública, no caso em tela a Agência Nacional de Água, notadamente a partir de amplas discussões no âmbito dos órgãos gestores, de comitês de bacias e representantes dos diversos setores usuários. Não é tarefa fácil, mas creio que já tenhamos maturidade e conhecimento suficientes para por em prática a sua execução, inclusive implantando iniciativas ao uso racional da água. A alocação feita por agentes públicos permite perseguir objetivos equitativos e tem a possibilidade de tratar com os vários aspectos dos recursos hídricos que requerem investimentos de longo prazo.

Segundo Lopes, A. V.; Freitas, M. A. de S (2007), a partir das diferentes experiências brasileiras: alocação negociada nos açudes do Ceará, nos reservatórios da bacia do rio Verde Grande e no rio Piranhas-Açu, da alocação de água na bacia do rio Paraíba do Sul e da proposta de alocação de água do Plano da Bacia do Rio São Francisco, alguns aspectos conceituais e metodológicos podem ser sistematizados, tais como: a) pontos de controle, contendo elementos discretos, como sub-bacias de rios afluentes e trechos de rios, delimitados por pontos de controle estrategicamente situados; b) disponibilidade hídrica que deve ser estimada por vazões com alta permanência no tempo, para que sejam também altas as garantias de fornecimento de água; c) vazões mínimas e necessidades ambientais para o atendimento a usos não consuntivos, como a manutenção de ecossistemas e a navegação; d) vazão total alocada que atenda aos consumos atuais e futuros em cada sub-bacia e trechos dos rios; e) distribuição das vazões alocadas, com base na negociação social, em definições do poder público, em critérios técnicos ou em critérios econômicos; f) legitimação política entre os atores envolvidos, notadamente, os órgãos gestores de recursos hídricos e as entidades responsáveis pelas políticas setoriais.      

Notadamente que ainda há avanços a serem obtidos quanto aos aspectos conceituais e metodológicos dos mecanismos existentes e na integração desses com os instrumentos da política nacional de recursos hídricos. Nesse sentido, abrem-se diversas oportunidades à aplicação da alocação de água e vazões de entrega, como a atuação dos órgãos gestores na operacionalização dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos e as possibilidades de integração entre políticas setoriais e regionais.

[1] Engenheiro Agrônomo, Advogado e Superintendente de Recursos Hídricos da SEMARH/SE.

 

OBS: 

Link para assistir ao vídeo da Agência Nacional de Águas (ANA) que trata do assunto da alocação de água.

 http://www3.ana.gov.br/portal/ANA/videos/a-alocacao-negociada

 

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