A governança e a gestão das águas no Brasil – reflexões sobre o momento atual

O Brasil, embora possua um sistema de gestão dos recursos hídricos com alguma maturidade (mais de 20 anos de promulgação da Lei das Águas), ainda se depara com grandes desafios no que concerne aos domínios de águas no país.

A realidade da questão hídrica no país é extremamente heterogênea.

Num rápido balanço, é possível dizer que a região Norte do país possui grande abundância deste recurso, ao mesmo tempo em que apresenta os maiores índices de perda na distribuição de água tratada. Mesmo a abundância é relativa, uma vez que a região já enfrentou períodos críticos de baixa precipitação, com impactos para toda a sociedade local.

Na região Nordeste, além dos baixos índices pluviométricos, a baixa qualidade da água coloca a região em uma situação crítica de segurança hídrica. A região Central do país foi uma das que sofreu com situação mais recente de escassez hídrica, após um longo período com chuvas bem abaixo dos níveis registrados historicamente nos pluviômetros.

Nas grandes metrópoles do Sudeste e Sul, a qualidade da água e condição sanitária dos ambientes aquáticos é ponto crítico que afeta o abastecimento e o bem-estar da população. Também no Sudeste houve período recente de escassez, com constrangimento do abastecimento na maior região metropolitana do país.

Diante deste quadro, os desafios da gestão das águas incluem (i) incorporar a heterogeneidade de soluções demandadas em um país de escala continental, num contexto ainda problemático em termos, por exemplo, de saneamento básico; (ii) garantir a efetividade dos mecanismos de fiscalização e governança existentes e (iii) assegurar a tomada de decisão com base em conhecimento técnico-científico.

Acrescente-se a estes desafios, estruturais, o fato de que como resultado das ações humanas gera a queda de biodiversidade nos ambientes aquáticos, redução de funções e serviços ecossistêmicos, aumenta a vulnerabilidade às mudanças climáticas, que expõem de maneira diversa, toda a sociedade aos impactos do aumento da temperatura, variações no padrão de precipitação e aumento da frequência de eventos extremos.

Neste contexto, aumenta a importância do Sistema Nacional de Gestão de Recursos Hídricos (SINGREH) e dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), instituída e regulamentada ao longo das últimas duas décadas no país.

A PNRH é elemento fundamental e seus marcos legais e instrumentos são componente chave para o desenvolvimento social, econômico e ambiental do país. A atuação integrada e eficiente do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos é crítica para que os mecanismos legais vigentes sejam implementados e aprimorados.

Dentro desta perspectiva os Comitês de Bacias têm papel mais que importante, fundamental por viabilizar a participação da sociedade civil e atuar nos desafios que precisamos enfrentar.

Embora seja necessário reconhecer que o SINGREH tem sido pouco eficaz para a solução de questões importantes da gestão das águas, e, portanto, necessita aprimoramentos, cabe ressaltar que, minimamente, a essência da participação social e da gestão compartilhada dos recursos hídricos vinham se mantendo como pilares do sistema.

No entanto, o momento político vivido pelo país tem causado preocupações no que concerne à gestão das águas. Embora possa parecer cedo para analisar resultados, a mudança do ministério traz um risco aos princípios de cunho ambiental, como os usos múltiplos, a sustentabilidade e a visão integrada da bacia hidrográfica. Por outro lado, as mudanças na composição e no funcionamento do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) representam um indicativo claro da quebra de princípios elementares da legislação, em especial da participação social na discussão, análise e aprimoramento da PNRH.

Além de concentrar a participação no CNRH, com a maioria dos assentos, o Governo Federal passa a dispor também da possibilidade de editar normas e resoluções “ad referendum”, centralizando o poder decisório em detrimento de decisões debatidas no CNRH.

A posição do Governo Federal diminui a participação da sociedade e exclui das discussões da PNRH populações indígenas, tradicionais, comunidades ribeirinhas, entre outros, podendo tornar a política de recursos hídricos menos inclusiva e ainda mais centralizadora.

O Observatório da Governança das Águas (OGA Brasil), que está desenvolvendo indicadores de governança, como a representatividade e a representação, gostaria de ver refletido no Decreto que estabelece a nova composição do CNRH, maior consideração da água como bem de interesse coletivo, direito humano e dos ecossistemas.

Neste momento de elaboração da revisão do Plano Nacional de Recursos Hídricos reforçamos que é fundamental que o Governo Federal brasileiro reveja equívocos e reflita sobre a necessidade de promover a gestão integrada da água com o meio ambiente, ampliando a participação, a transparência e o controle social.

OBSERVATÓRIO DA GOVERNANÇA DAS ÁGUAS – SETEMBRO DE 2019

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