A Governança das Águas e o Enquadramento dos corpos d´água- o caso da bacia hidrográfica do rio Tibagi.
Um dos aspectos fundamentais para avaliar e aferir a efetiva governança das águas pode ser a forma de implementação dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos em uma determinada bacia hidrográfica, com a efetiva participação do comitê da bacia hidrográfica. Essa implementação quando realizada de forma participativa, transparente e com a total compreensão de todas as instâncias da gestão das águas, talvez estejamos no caminho correto de falar em GOVERNANÇA.
Entre estes instrumentos, o enquadramento dos corpos de água previsto na Lei 9.433/97 e nas leis estaduais de recursos hídricos, é um dos mais complexos e de difícil implementação, tanto por aspectos técnicos, sociais como econômicos, o que reflete a incipiência de sua aplicação em somente algumas bacias.
Os Comitês de Bacias Hidrográficas como estão previstos na legislação, tem função preponderante em exercer e exigir uma boa governança, sobretudo quando tratamos de classificar os córregos, rios e lagos, em outra palavras garantir que a água tenha qualidade e proporcione os usos múltiplos. O ENQUADRAMENTO significa dar o destino a um determinado curso de água, se o queremos verdadeiramente vivo ou morto, se desejamos que se exerça o fundamento de uso múltiplo ou uso restrito a algumas atividades.
Definir o tema governança da água pode ser verificado de distintos pontos de vista, contudo em todos deve compreender o de regular as relações complexas entre grupos diversos e através de critérios da equidade, acessibilidade e sustentabilidade. Desta forma, mesmo sendo difícil de compreensão, o enquadramento, precisa mais do que outros instrumentos de gestão, ser efetivado aplicando o conceito e prática da GOVERNANÇA.
Se tratando de um bem comum de todos os seres vivos, a GOVERNANÇA deve promover a participação ativa que inclua os diferentes atores sociais nas decisões, com múltiplas cultura, saberes e instrumentos normativos formais e não formais, nas diferentes escalas e nos contextos sócio politicas, econômicos e ecológicos
A respeito dessa complexidade, no Paraná aconteceu recentemente uma experiência que pode ser mencionada como contribuição à melhoria da governança das águas envolvendo o enquadramento. O rio Tibagi e sua bacia hidrográfica tem se caraterizado pelo pioneirismo em matéria de gestão das águas: em 1988 foi o criado o primeiro consorcio intermunicipal de bacias hidrográfica formado no país, adotando a experiência do Rio Jacupiranga/SP. Foram anos de debates, mobilização da sociedade e dos municípios. Assim se formou o COPATI – Consórcio Intermunicipal para a Proteção Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Tibagi.
Esse legado têm permitido ao longo dos anos que essa bacia e sua sociedade se antecipe aos bons debates sobre a gestão das águas, período em que se debatia o projeto de lei que resultou n a conhecida Lei das Aguas, em 1997. A bacia do Tibagi compreende uma área de 24.900 km2, população de 1.549.000 habitantes, e envolve área de 46 munícipios. Entre os municípios conhecidos e de maior porte na bacia estão localizados Londrina próximo a foz, Ponta Grossa nas nascentes e na sua parte mediana Ortigueira, onde esta sediado a Industria Klabin. A bacia desde 1985 tem sido objeto de estudos pela JICA, pela UEL – Universidade Estadual de Londrina, entre outras, que proporciona bons resultados quando avaliada ambientalmente.
Após a Lei das Águas e promulgação da Lei Estadual 12.726 de 1999 que instituiu a Politica Estadual de Recursos Hídricos e criou o Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em 2002 foi criado o Comitê da Bacia Hidrografia do Rio Tibagi, o segundo comitê do Estado do Paraná, o que procurou melhorar a governança das águas, incluindo a experiência de longos anos do COPATI.
Um dos aspectos relevantes para a governança das águas é a elaboração do plano da bacia com o acompanhamento e aprovação do comitê, o qual deve oferecer suporte a outros aspectos e instrumentos, os cenários para a priorização dos programas, com vistas e melhoria da qualidade e quantidade das águas. No período de elaboração do plano da do Tibagi, entre 2009 a 2013, a bacia foi palco de intensos debates por conta da implantação da usina hidrelétrica Mauá.
No processo de aprovação do plano de bacia, consta a proposta de enquadramento e/ou reenquadramento dos corpos de água previsto na Lei estadual das águas, que o COMITÊ deve analisar e aprovar, levando em conta as regras e parâmetros estabelecidas na Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA n0 357/2005, bem como na n0 430/2011 também do CONAMA, tanto quanto nas resoluções complementares do Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH, as n0 91/2008 e n0 140/2012.
Anteriormente ao plano da bacia, todos os cursos de água do Tio Tibagi eram classificados pela Resolução n0 003/1991 da SURHEMA, a maioria dos cursos de água eram de classe 2 (rios como vida), exceto aqueles previstos como mananciais de abastecimento público como classe 1 (rios com vida). Somente um Ribeirão em Londrina encontrava-se em classe 3.
No caso do Tibagi o debate foi intenso e possibilitou ampliar o governança das águas uma vez que ativou o interesse de segmentos em discutir a manutenção da qualidade das águas naquela importante bacia. A proposta de enquadramento apresentada pela Gerência da Bacia Hidrográfica do Tibagi (Agência de Bacia), na prática exercida pelo órgão gestor – o ÁGUAS PARANÁ – foi o de propor como meta para ser tingida em 2025, trechos de afluentes do Tibagi em classe 4 (rio sem vida), e ainda dividindo essa classe em 4A, 4B e 4C, subdividindo uma classe sem que tenha competência legal para realiza-la, sobretudo por se tratar de uma norma federal de competência do CONAMA.
O debate foi intenso nos anos de 2015 e 2016, fazendo com que a proposta excluísse a classe 4 mediante a Deliberação n0 11 de 2016. Foram realizada audiências publicas em alguns municípios envolvendo participantes de todos os segmentos do comitê. Interessante mencionar que todos os pontos apresentados como classe 4 eram para atender os interesses de um usuário, no caso a operadora do sistema de tratamento de esgoto sanitário, sempre a jusante das Estações de Tratamento de Efluentes – ETEs.
A maior contradição no caso do enquadramento das águas é a Resolução do CONAMA que criou o termo USO PREPONDERANTE, como se existisse um uso mais importante que outro. Por outro lado, Lei das Águas, 9.433/97 e as respetivas Leis Estaduais, determinam geralmente no primeiro artigo das leis que trata dos FUNDAMENTOS da política, que a a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas. É a garantia dos usos múltiplos das águas, uma condicionante para uma boa gestão, apostando que se tenha uma boa governança.
Com pode uma Resolução que é de outra esfera, ditar uma norma que exclui o uso múltiplo, sobretudo porque essa Resolução permite uso preponderantes, excluindo em muitos dos casos os demais usos. A Classe 4 é incoerente com o usos múltiplos, pois quando um curso de água e classificado como classe 4, permite somente o uso para fins paisagísticos e navegação. A Resolução do CONAMA 356/2005 como está é incoerente e conflitante com as politicas de recursos hídricos, criada por LEI.
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Tibagi abriu uma boa perspectiva para aferir este tema da Classe 4. É necessário o envolvimento das instituições federais, estaduais, do fórum dos comitês quanto a esse aspeto, caso contrário a governança das águas esta em risco permanente, pois é uma ameaça de continuar os cursos de água, especialmente em áreas urbanas e peri-urbanas em péssima qualidade, ampliando ainda mais a crise hídrica. É necessário riscar do mapa a meta de ter classe 4 nos rios, admitir rios sem vida.
Acesse o artigo em PDF>>>A GOVENANÇA DAS ÁGUS 1 E O ENQUADAMENTO DOS CORPOS DE ÁGUA ‘
Mauri Cesar Barbosa Pereira – Diretor da Rede Brasil de Organismos de Bacias Hidrográficas – REBOB/Região Sul. [email protected]
Galdino Andrade – Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Tibagi. [email protected].