A gestão das águas e os desafios do Encontro Nacional de Comitês de Bacias

Artigo de Mauro da Costa Val*

O Encontro Nacional de Comitês de Bacias (ENCOB) tornou-se um extraordinário evento. De periodicidade anual, visa à integração e a troca de experiências entre seus membros, assim como promover a discussão de temas relevantes ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, segundo o regimento interno do Fórum Nacional de Comitês de Bacias.

Concomitantemente, além dos esforços dos próprios Comitês de Bacias, iniciativas da sociedade civil, de forma organizada e espontânea, buscam explicações para cenários de escassez quali-quantitativa e eventos críticos cíclicos – ora secas, ora enchentes urbanas que parecem incontroláveis, pelo caráter repetitivo e ainda sem solução.

Um bom exemplo é a união de vontades cidadãs e institucionais refletida na dinâmica do “Observatório das Águas”. Ao contribuir para o sucesso da Política Nacional das Águas, o Observatório elencou, num amplo processo participativo, diversos indicadores de governança, como meio de dar resposta à questão: “Como verificar se o Sistema está cumprindo o seu papel diante de sua finalidade?”

O ENCOB não só faz parte da história da Política Pública das Águas, como nele, de um lado se refletem as iniciativas, aplicação e eficiência dos instrumentos de gestão e, de outro lado, ao integrar Comitês e Sistemas Estaduais, os resultados de sua interlocução, bem como a elevada ressonância na comunicação midiática regional e nacional, influenciam diretamente os rumos do próprio Sistema Nacional de Gerenciamento. É parte, por assim dizer, de um só corpo.

A despeito de vultosos investimentos públicos e privados, como no caso da Transposição de Águas do Rio São Francisco; redução na demanda industrial com reuso de efluentes tratados; facilidades no acesso a tecnologias de irrigação com drástica redução no consumo; entrada em funcionamento de centenas de estações de tratamento de esgotos sanitários; implantação do instrumento cobrança pelo uso por vários Comitês de Bacias, dentre outras naturezas de esforços, a gravidade da situação parece aumentar.

Por quê?

O custo de implantação e operacional anual para tratamento em níveis aceitáveis (85% na remoção de matéria orgânica solúvel) de 1 tonelada de DBO alcança mais de 30 mil reais para uma tecnologia com eficiência energética.

Paralelamente, um bagre-do-canal (Ictalurus punctatus) faz uso de 340 mg O2/hora/Kg (KUBITZA, 2003). Com massa de 1 Kg este peixe consome, teoricamente, 8,16 g O2/dia. O lançamento de 1.000.000 gO2 (1 tonelada de DBO) inviabilizaria a existência de 122.549 bagres de 1 Kg. Ao usar o preço de mercado (R$10/Kg peixe), resulta um valor de R$ 1.225.490 para tal fonte saudável de proteína animal.

Postos os dois fatos, quais fundamentos econômico-ecológicos sustentam a cobrança pelo uso dos serviços ecossistêmicos (Autodepuração. Figura 1) de um curso de água receptor no valor de apenas 70 a 100 reais pelo lançamento de 1 tonelada de matéria orgânica bio-oxidável?

Resultados da recente pesquisa feita pelo Observatório das Águas (Relatório com a sistematização das contribuições via plataforma online) evidenciaram que em apenas 7 dos 59 indicadores de governança sugeridos, os dados e informações a eles correspondentes estão facilmente disponíveis. 88% do rol de dados e informações de sustentação à avaliação dos próprios sistemas nacional e estadual de gerenciamento não estão organizados e/ou disponíveis ao acesso de interessados, segundo opinião dos consultados.    

Espera-se do próximo ENCOB que aspectos cruciais relativos à gestão, que emperram o desenvolvimento dos Sistemas Nacional e Estaduais de Gerenciamento, sejam de fato e de direito abordados. Questões generalistas que cabem em quaisquer situações de qualidade e quantidade, sejam elas de escassez ou abundância, já se esgotaram nos encontros até aqui realizados.

Além disto, propagandas excessivas com mensagens de cunho meramente comercial de financiadores do congraçamento em nada contribuem ao necessário debate.

Transparência e auditorias externas quanto ao uso dos recursos arrecadados junto ao setor privado para o financiamento do congraçamento nacional podem ser proveitosas. Não só por indicar seriedade e compromisso com o coletivo, mas também por que o simples pagamento por espaços e marketing não pode proporcionar, per si, anuência a destaques para empresas que não respeitam princípios e fundamentos da Política Pública das Águas.

Consultas transparentes e publicamente acessíveis aos mais de 6.300 membros dos 210 Comitês de Bacias existentes no Brasil (disponível no portal da Agência Nacional de Águas em http://www.cbh.gov.br/, último acesso em 22 de julho de 2018) podem, futuramente, vincular o formato do ENCOB aos contextos regionais vivenciados pelos protagonistas da gestão pública das águas naturais.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

KUBITZA, F. Qualidade da água no cultivo de peixes e camarões. Jundiaí: F KUBITZA, 2003. 229p.

*Mauro da Costa Val

Engenheiro Civil e Sanitarista, MSc. Sênior – Exerceu funções de Presidente do CBH-Paraopeba, Secretário Executivo do Consórcio Intermunicipal da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba – CIBAPAR, Coordenador do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias, Coordenador Adjunto do FNCBH, Membro do CERH MG, etc. Atua nas áreas do saneamento básico e ambiental, com destaque em projetos e operação de Estações de Tratamento de Efluentes Sanitários e Industriais. É Diretor na microempresa Acqua Saneare.

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