Por Juliana Cassano Cibim[1]
O acesso à água limpa e ao saneamento é considerado pela ONU como direitos humanos. Direitos humanos são considerados como direitos imperativos, ou seja, aqueles que devem prevalecer sobre qualquer outro.
Água é recurso natural limitado, bem de domínio público, dotado de valor econômico. O uso múltiplo do recurso hídrico deve ser assegurado e em casos de escassez a prioridade é para abastecimento humano e dessedentação de animais. A racionalização do uso da água é um dos princípios da Política Nacional de Meio Ambiente.
Água é direito humano e direito ambiental. Acesso à água limpa e ao saneamento são o mínimo que se deve ter quando se trata de dignidade humana e de sadia qualidade de vida, direitos constitucionais.
Direito à água é direito à vida. Dia 22 de março é o Dia Mundial da Água!
A cronologia que trouxe a água, um bem natural, à categoria dos direitos humanos é bem interessante…
Em 2002 o Comite de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU adotaram o General Comment nº 15 sobre o direito à água. O Artigo I.1 determina que “o direito humano à água é indispensável para a vida e a dignidade humana[2]. 2002 foi ano da Conferência de Johanesburgo que teve foco nos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio cujos objetivos era cuidar das pessoas: erradicar a pobreza, diminuir o índice de mortalidade infantil, cuidar as saúde, priorizar a equidade dos gêneros e a educação. A água é recurso fundamental nesse contexto de desenvolvimento sustentável!
A década de 2005 até 2015 foi considerada pelas Nações Unidas a Década para a Ação – “Água para a vida” (Water for life[3]).
Em 2010 à ONU reconheceu explicitamente o direito humano à agua e ao saneamento e que o acesso à agua limpa e potável e ao saneamento é essencial à concretização dos direitos humanos (Resolução 646/292).
A Agenda 2030 traz os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) como “é um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade” e dentre os ODS está o Objetivo 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos.
No contexto nacional, a Política Brasileira de Recursos Hídricos faz 21 anos em 2018 e a Política Nacional de Saneamento faz 11 anos.
São muitas as datas e os períodos que celebram a água e que destacam a importância desse recurso natural que deve ser preservado para as gerações presentes e futuras e que é imprescindível para a sadia qualidade de vida e para uma vida digna.
As Nações Unidas apresentam para o Dia Mundial da Água de 2018 (World Water Day 2018) uma pergunta:
“Como podemos reduzir enchentes, secas e poluição hídrica?
Usando as soluções que já encontramos na natureza.”
Nature for Water é o slogan desse ano!
A ONU afirma que explorar as soluções baseada na natureza (e já existentes) é um dos desafios hídricos que enfrentamos no século 21.
Esses são o desafio e a proposta sugeridos pela ONU para 2018.
Ao entender que a desde 2002 o acesso à água limpa é um direito humano e que há anos é comprovada a relação entre água e floresta, água e controle de poluição, água e gestão. É comprovado que os programas de proteção das nascentes e matas ciliares tem garantido água em quantidade e qualidade suficiente para àqueles que protegem e usam o recurso hídrico. E que nas regiões onde os mananciais são ocupados, não há tratamento de esgoto e não há gestão hídrica há vulnerabilidade hídrica.
As soluções estão por aí! A própria natureza é a solução.
Fica simples de entender a motivação da ONU em propor o slogan Nature for Water!
Ecossistemas degradados, matas ciliares desmatadas, erosões, ocupação irregular de área de manancial e área de preservação permanente, lançamento de esgoto e de efluentes químicos não tratados nos corpos d’água afetam diretamente a qualidade e quantidade de água.
No artigo Funções eco-hidrológicas das florestas nativas e o Código Florestal, TAMBOSI et al (2015, p.151), afirmam que “a presença de florestas nativas pode desempenhar diversas funções eco-hidrológicas, como a regulação da quantidade de água, o controle da erosão e aporte de sedimentos e, consequentemente, influenciando os parâmetros físico-químicos dos cursos d’água”. E que a proteção desse capital natural em propriedades privadas tem sido garantida no Brasil pelo Código Florestal Brasileiro (Lei Federal n.12.561/12), apesar da modificação que levou à redução na extensão de vegetação nativa a ser conservada em Funções eco-hidrológicas das florestas nativas e o Código Florestal.
Nesse contexto, é inegável observar que o Brasil tem vasto arcabouço jurídico sobre de proteção da vegetação e de controle de poluição hídrica[4]. No entanto, tudo isso por si só não garante que ações eficientes aconteçam. Há muitos desafios técnicos, econômicos e de consciência ambiental.
Há que se ter governança!
Alguns dos dados disponíveis reafirmam a urgência em priorizar ações, programas, planos e projetos sobre água e saneamento. E a urgência no foco em gestão e governança hídricas.
Quando se fala em governança hídrica há que se observar a importância de entender as necessidades e os interesses dos diversos atores envolvimentos. Há que escutar atentamente o que cada um propõe para que então um seja proposta uma solução construída conjuntamente. Essa solução passa a ser uma das ferramentas de gestão hídrica, assim o direto ao acesso à água limpa terá sido respeitado.
Segundo a ONU (2018[5]), hoje, 2.1 bilhões de pessoas vivem sem água potável em casa e isso afeta sua saúde, educação e qualidade de vida. O ODS 6 convoca o mundo a assegurar que todos tenham acesso à água limpa (safe water) até 2030 e inclui a meta de proteger os ecossistemas naturais pela proteção dos ambientas naturais e pela redução da poluição[6].
O Estado de São Paulo que viveu uma severa crise hídrica entre 2014 e 2015 continua em situação de alerta por ser uma região de vulnerabilidade hídrica[7]. Uma análise das notícias que saíram naquela época, feito pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade[8], demonstrou que a falta de chuva era apresentado como o problema principal, mas na realidade a má gestão, desperdício e perdas hídricas e o desmatamento e as alterações de uso do solo foram protagonistas.
Para o Brasil, os dados apresentados pelo Instituto Trata Brasil são alarmantes[9] sobre água e coleta de esgoto:
Água:
- 83,3% dos brasileiros são atendidos com abastecimento de água tratada.
- São mais de 35 milhões de brasileiros sem o acesso a este serviço básico.
- A cada 100 litros de água coletados e tratados, em média, apenas 63 litros são consumidos. Ou seja 37% da água no Brasil é perdida, seja com vazamentos, roubos e ligações clandestinas, falta de medição ou medições incorretas no consumo de água, resultando no prejuízo de R$ 8 bilhões.
Coleta de Esgoto:
- 51,92% da população têm acesso à coleta de esgoto.
- Mais de 100 Milhões de brasileiros não tem acesso a este serviço.
- Mais de 3,5 milhões de brasileiros, nas 100 maiores cidades do país, despejam esgoto irregularmente, mesmo tendo redes coletoras disponíveis.
Os dados apresentam a realidade.
Há muito que se fazer.
Há ações em andamento…
Existem ações interessantes e eficientes que corroboram com a proposta e o desafio da ONU para o Dia Mundial da Água de 2018 – Nature for Water:
O Observatório de Governança das Águas[10] tem como missão “gerar, sistematizar e difundir informações das práticas de governança das águas pelos atores e instâncias do SINGREH, por meio do acompanhamento de suas ações”.
A Aliança pela Água[11] é “uma articulação da sociedade civil criada em outubro de 2014 para enfrentamento da crise hídrica em São Paulo e construção de uma “Nova Cultura de Cuidado com a Água” no Brasil”.
Algumas organizações não governamentais como a World Wildlife Fund-WWF e a The Nature Conservancy -TNC tem projetos específicos sobre água. O WWF tem o Programa Água para Vida e o Freshwater Initiative (WWF[12]) e a TNC tem a Coalizão Cidades pela Água e também coopera com a ANA no Programa Produtor de Água (TNC[13]).
Especificamente sobre saneamento, o Instituto Trata Brasil[14] é uma OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, formado por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país que atua desde 2007 com pesquisa, dados e trazendo transparência para esse setor.
O Instituto Escolhas criou a Plataforma #Quantoé?plantarfloresta[15]. “Esta plataforma serve para estimar o investimento para recuperar uma floresta em uma área e a receita que essa floresta poderia gerar”.
A Agência Nacional de Águas (ANA) tem o Programa Produtor de Água[16] que tem como foco o pagamento por serviços ambientais com a finalidade de assegurar a proteção hídrica. O município de Extrema/MG é um dos exemplos bem sucedidos desse programa que alia a conservação da natureza à conservação e uso adequado da água. Nature for Water!
No entanto, ainda há muito que se fazer.
Está acontecendo esta semana em Brasília o 8º Fórum Mundial da Água.
Há esperança de que os debates sejam focados para a resolução de conflitos, propositura de ações, construção de caminhos e possibilidades. E que os debates sejam pautados na boa governança e na gestão compartilhada e participativa da água.
Dia 22 de março é o Dia Mundial da Água!
Um dos grandes desafios continua sendo falar sobre a água de uma maneira simples e assertiva para que todos entendam. Outro desafio é o de tecer as normas jurídicas para que formem uma teia segura para a gestão e governança hídrica.
Há muito o que se fazer, mas seguimos confiantes e atuantes!
Referências:
CIBIM, Juliana Cassano. O desafio da governança nas bacias hidrográficas transfronteiriças internacionais: um olhar sobre a Bacia do rio da Prata. Tese de doutorado defendida no Procam/IEE/USP. Juliana Cassano Cibim, orientador Pedro Roberto Jacobi – São Paulo, 2012, 189f. Disponível em: http://www.iee.usp.br/producao/2012/Teses/Tese%20Juliana%20Cibim_Revisada.pdf
Cibim, J.C. As fontes de água pedem socorro. Artigo online no site Justificando, Quinta-feira, 14 de maio de 2015. Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2015/05/14/as-fontes-de-agua-pedem-socorro/
Cibim, J.C. Água: o recurso da década tem um dia especial. Artigo online no site Justificando, Quarta-feira, 18 de março de 2015. Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2015/03/18/agua-o-recurso-da-decada-tem-um-dia-especial/
Cibim, J.C. Lata d’água na cabeça. Artigo online no site Justificando, Quarta-feira, Quarta-feira, 4 de março de 2015. Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2015/03/04/lata-dagua-na-cabeca/
DE SOUZA LEÃO, Renata; DA PAZ, Mariana Gutierres Arteiro; CIBIM, Juliana Cassano. A outra face da crise; a importância do setor do saneamento no contexto da escassez hídrica. Revista Acesso Livre, v. 5, n. 5, p. 88-105, 2016. Disponível em: goo.gl/sMKBn4
JACOBI, Pedro Roberto; CIBIM, Juliana; LEÃO, Renata de Souza. Crise hídrica na Macrometrópole Paulista e respostas da sociedade civil. Estudos Avançados, v. 29, n. 84, p. 27-42, 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142015000200027&script=sci_arttext&tlng=pt
JACOBI, Pedro Roberto; CIBIM, Juliana. THE NECESSARY UNDERSTANDING OF THE ENHANCED CONSEQUENCES OF A DISASTER. Ambiente & Sociedade, v. 18, n. 4, p. 0-0, 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-753X2015000400001&script=sci_arttext
Em português: http://www.scielo.br/pdf/asoc/v18n4/1809-4422-asoc-18-04-00000.pdf
TAMBOSI, Leandro Reverberi; VIDAL, Mariana Morais; FERRAZ, Silvio Frosini de Barros and METZGER, Jean Paul. Funções eco-hidrológicas das florestas nativas e o Código Florestal. Estud. av. [online]. 2015, vol.29, n.84 [cited 2018-03-16], pp.151-162. Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142015000200151&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0103-4014. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142015000200010.
VILLAR, P.C., CIBIM, J.C., CLARO C.de A>B. e JACOBI, P.R. Governança das águas e o direito humano à água in Perspectivas ambientais: novos desafios teóricos e novas agendas públicas. Coletânea ANPPAS 2010./ Orga. Juliana S. Guivant e Pedro Roberto Jacobi. – São Paulo: Annablume, 2012. p.227-250
[1] Doutora em ciência ambiental pelo Procam/IEE/USP com foco em governança hídrica e hidrodiplomacia. Professora da Faculdade de Direito e de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Integra o GovAmb. Consultora ambiental e Coach.
[2] Para ler as informações na íntegra e no original, acesse: http://www.un.org/waterforlifedecade/human_right_to_water.shtml
[3] Para ter acesso à informação na íntegra: http://www.un.org/waterforlifedecade/human_right_to_water.shtml
[4] Alguns documentos legais: a Lei federal nº 12.651/2012 (sobre a proteção da vegetação nativa), a Lei federal nº 11.428/2006 e seu respectivo Decreto (sobre a proteção da Mata Atlântica), Resolução CONAMA nº 357/2005 (classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes) e a Resolução 430/2011 (Dispõe sobre as condições e padrões de lançamento de efluentes, complementa e altera a Res. nº 357/2005).
[5] “2.1 billion people live without safe drinking water at home; affecting their health, education and livelihoods”. Link: http://worldwaterday.org/
[6] ODS 6: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods6/
[7] Link para algumas notícias sobre o tema: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/03/1868198-seguimos-no-limite-diz-especialista-em-crise-hidrica-sobre-represas-de-sp.shtml; http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-02/apesar-de-obras-sao-paulo-depende-de-chuvas-para-evitar-nova-crise-hidrica; https://exame.abril.com.br/brasil/o-fundo-do-poco-da-crise-hidrica-em-sao-paulo/; https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/temos-de-sair-do-cheque-especial-da-agua-diz-especialista-leia-entrevista.ghtml
[8] Para acessar o infográfico e mais informações: http://ids-ecostage.s3.amazonaws.com/media/uploads/2016/06/27/infografico-crise-hidrica-e-a-midia-resultados.pdf
[9] Trata Brasil, Principais Estaítsticas no Brasil, 2017. Para Água – Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS 2016) e Estudo Trata Brasil “Perdas de Água: Desafios ao Avanço do Saneamento Básico e à Escassez Hídrica – 2015”. Para Coleta de Esgoto – Fontes:Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS 2016), Estudo Trata Brasil “ Ociosidade das Redes de Esgoto – 2015” e Censo Escolar 2014. Link: http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-estatisticas-no-brasil
[10] http://www.observatoriodasaguas.org/
[11] https://www.aliancapelaagua.com.br/
[12] https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/reducao_de_impactos2/agua/
[13] http://cidadespelaagua.com.br/
[14] http://www.tratabrasil.org.br/
[15] Para acessar a Plataforma: http://quantoefloresta.escolhas.org/
[16] Para acessar o portal do Programa: http://produtordeagua.ana.gov.br/